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A Decisão Profissional

1.6.2023

Não me recordo exatamente o mês do ano de 1995 em que eu caminhava no pátio de uma escola durante um evento intitulado “encontro profissional” ou algo parecido com isso. Os professores organizavam essa atividade para os alunos do último ano que começavam decidir seu rumo de estudos acadêmicos e a possível profissão no futuro. Nessa ocasião eram convidados diferentes profissionais, boa parte deles ex-alunos da própria escola, para explicar sobre sua carreira dando detalhes da formação acadêmica e indicando as possibilidades de atuação profissional e os desafios do mercado de trabalho.

Evidentemente, alguns profissionais eram mais requisitados do que outros e, dependendo da demanda dos interessados, uma palestra era organizada em uma das salas de aula ou no auditório da escola, algo que pudesse comportar o grande número de alunos. Já, para as profissões com menor procura, a escola distribuía pelo pátio mesas e cadeiras criando uma atmosfera de escritórios a céu aberto. Em cada mesa havia uma pequena placa sinalizando o nome e a profissão do convidado e, caso houvesse curiosidade e interesse, você podia se apresentar e conversar sobre a carreira profissional daquele participante.

O dia costumava ser bem agitado e barulhento. A escola repleta de alunos e visitantes que circulavam conversando, procurando as áreas de interesse, atentos aos anúncios que saíam pela caixa de som com horários e locais das principais palestras. Era comum também observar alguns desses estudantes acompanhados pelos pais que, muitas vezes mais ansiosos e agitados, conduziam seus filhos para os assuntos que consideravam mais relevantes. O dia tinha uma atmosfera estranha de ansiedade e expectativa gerada por uma idéia fantasiosa que seria possível descobrir em uma palestra ou bate-papo a rota de sucesso para a vida adulta. Essas sensações ganhavam proporções ainda maiores quando carregava o peso de um discurso que considerava aquela decisão o fator que definiria o restante da vida. Por isso era tão comum perceber a apreensão dos pais, imaginando e desejando um futuro brilhante e promissor para os seus filhos. Por outro lado, os jovens andavam com um semblante de dúvida e confusão mental de quem não faz a mínima idéia de qual é a resposta para uma pergunta tão complexa que encontrará solução somente com os anos que a experiência de vida pode trazer.

As profissões mais badaladas eram aqueles que aparentemente produziam maior capital financeiro e não precisava de muita sensibilidade para perceber que esse era o fator determinante para a escolha da maioria dos visitantes. Em meio ao vai e vem de pessoas circulando seguia  caminhando sozinho observando todos aqueles rostos e suas reações. E, quando criava consciência do motivo de estar ali, me sentia completamente perdido e sem orientação. Quando questionado sobre o que estava planejando como opção de carreira profissional adotava uma fala ilegítima para atender as expectativas alheias, mas pouco entusiasmo trazia naquelas palavras. Definitivamente até aquele presente momento não tinha nenhuma evidência clara de direção que despertasse qualquer interesse.

Sem muita fé estava à deriva ao mar daquela multidão e, entre dezenas de pessoas circulando, vi em um canto do pátio um senhor sentado em uma cadeira lendo tranquilamente seu jornal apoiado na mesa. Aquela cena chamou a atenção pela serenidade durante a leitura e também por não haver ninguém interessado em sentar para puxar uma conversa. Procurei me aproximar sem ser percebido, somente para descobrir sua profissão e matar minha curiosidade e, chegando perto suficientemente para ler a sinalização colocada a mesa, li que se tratava de um educador físico. Continuei minha caminhada sem que ele percebesse, mas meus pensamentos alimentaram ainda mais a curiosidade. Lembro claramente de pensar como se fosse um autodiálogo o quanto seria interessante estudar uma disciplina que revelasse profunda e minuciosamente os aspectos relacionados ao movimento, preparação física e esporte. Minhas reflexões me colocaram a distância das preocupações financeiras e projeções de futuro da vida adulta. Os pensamentos fantasiavam uma jornada de descoberta sobre os segredos das atividades que me encantavam desde as primeiras lembranças da infância e, enquanto imaginava, caminhei em sua direção dando os primeiros passos daquela investigação. Sentei a mesa e tive a melhor conversa daquele dia.

Despreocupados com a multidão, mesmo porque não havia mais ninguém interessado, conversávamos sobre o formato do curso na graduação, as experiências teóricas e práticas, possibilidades de trabalho e sua trajetória profissional. Foi uma conversa honesta, sem a fantasia que povoava a imaginação da maioria das pessoas que circulavam naquele dia. A franqueza ao relatar os desafios da carreira profissional e, principalmente, ao ilustrar o que poderia ser atingido financeiramente acentuou meu interesse. É óbvio que o interesse não estava na produção econômica, mas no resultado que sua experiência de vida trouxe no comportamento. Fiquei admirado com a fala madura, a percepção de realidade e serenidade de quem tem consciência das conseqüências que cada escolha pode trazer. Essas impressões definiram minha decisão de estudo e carreira profissional, uma opção que não alimentava o imaginário da vida adulta e sua posição social. A escolha (ainda sem percepção e consciência) tinha relação com meu principal objetivo ao movimentar o corpo, atingir MATURIDADE.

O resgate da memória, refazendo os caminhos percorridos até os dias atuais, traz, além das imagens daquele momento, todas as sensações que senti durante aquela conversa. Hoje, com toda experiência vivida até então e com a construção do conhecimento pelo estudo, mas principalmente através da prática, me faz compreender  que a empatia que havia sentido não tinha relação direta com a sua carreira profissional nem muito menos com as possibilidades do mercado de trabalho. Minha memória afetiva carrega a admiração que senti ao perceber a lucidez de sua fala, a sinceridade de expor as dificuldades e as possibilidades reais e, contudo, a realização da trajetória da própria vida através desse comportamento.

O amadurecimento e a construção do saber são minhas ambições pessoais e enxergo o movimentar do corpo, durante a atividade física, a ferramenta de autoconsciência necessária para atingir a lucidez que me encantou tanto naquela conversa. Além disso, o esporte enriquece o capital social e intelectual tornando o ambiente ideal para minha decisão de trajetória. Entretanto, a clareza dessa decisão foi construída durante uma trajetória que considerou outras verdades como o real objetivo de treinar e vale a pena compartilhar esses olhares e o contexto no qual foram criados em outros textos.